Tudo começa com dor! Afinal,
antes do prazer veio a dor. E não menos dor pode causar esse prazer.
Metafísica bastante será, de
facto, não pensar em nada, não pensar em coisa nenhuma, pois a metafísica das
coisas não as reveza, está nelas, em si mesmas. É, incontornavelmente, na voz
dos poetas, dos génios da palavra, que encontramos tantas vezes ecos dos nossos
mais profundos sentimentos, sensação fantástica de limpeza da alma. Contudo, há
emoções que as palavras não preenchem, são somas de odores inolvidáveis, que
por fracções de segundo juramos haver recuperado num não sei onde, não sei
quando em que as narinas perderam as rédeas da razão e se deixaram levar pelo
coração pelas ondas da imaginação e da saudade.
Há, certamente, para cada um
de nós, sabores irrecuperáveis, apesar das cautas receitas guardadas e
herdadas, apesar da força titânica da vontade de reviver cada um dos
ingredientes do amor, da partilha, dos afectos. Há, sem dúvida, sons
irrepetíveis que nascem nas profundezas do nosso ser, por vezes mesmo sem nos
darmos conta, que vibram na nossa alma e reverberam por todos os milímetros do
nosso corpo, apesar de todos os novos timbres que sucedem modas e estilos. E,
depois, bem, depois há aquelas palavras que ninguém mais pronunciará com a
mesma voz, com a mesma doçura no olhar, com a mesma essência e pureza do avô
que vê as profundezas da alma dos netos sentados um em cada perna a fazer
cavalinho e a sorrir para não se ouvir o gemido da dor que já teima em ser
omnipresente e omnipotente.
Lá fora, chove, troveja, faz
frio…não, não damos por nada. Cá dentro cheira a filhós e rabanadas, daqui a
nada fará sol, depois as primeiras flores começarão a perder a timidez… Que
pena, essa parte não acompanhamos… pelo menos não aqui, mas no Estio cá
estaremos de novo e as cerejas, ai as rubras e carnudas cerejas, que perdição!
Elas cá estarão…o colo já não… de novo, o Outono, novas folhas cairão, o vento
despirá para nós, que estamos quase a regressar, os últimos ramos…nós
voltaremos…o colinho não…
Não, não é apenas um chão de
cimento! Lamento, recuso-me a aceitar que o seja! No fim, o cimento é apenas a
parte visível e o que sobra para quem não quer sentir! Por mais anos que passem,
o cimento será apenas a marca visível e sólida da consistência das emoções que
jamais morrerão, dos momentos perpetuados nos lugares habitados, de todos os
sentidos congelados na pedra da saudade.
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